Dêem-me direitos, eles não murcham
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Era 8 de março e eu caminhava pelas ruas do centro de Bauru sob o sol escaldante usual. Mas as rosas nas mãos de mulheres de terninho, estudantes colegiais, empregadas domésticas, não era usual. Surpresa! Três rosas no chão esquecidas, pisoteadas pelo tempo. Lembrei do filme que logo mais veria no Cine do Caco, “Aborto Clandestino: Crucificação Democrática”. No documentário, não eram as rosas que estavam pisoteadas, mas a liberdade da mulher.
O Cine do Caco, clube de cinema do Centro Acadêmico de Comunicação Florestan Fernandes (Cacoff), da Unesp de Bauru, optou em sua edição especial para o Dia das Mulheres o documentário “Aborto Clandestino: Crucificação Democrática”. Em parceria com o Centro Acadêmico XVII de Maio e com o apoio do Coletivo Movimenta Bauru, o filme encerrou a programação realizada na USP campus de Bauru.
Obelisco "Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo", instalada no Pátio do Colégio, de autoria de Amadeo Zani | Crédito: Giuliano Maiolin |
Entre a dúvida e o desabafo do grupo de univeristárias ali reunidas, o filme reacendeu o debate. “Aborto Clandestino: Crucificação Democrática” é uma produção argentina do Coletivo Elza Torres. O filme retrata o aborto do ponto de vista social e a que pé anda a luta pela descriminalização no país.
Um aborto a cada minuto, essa é a estimativa na Argentina. Num ano, ocorrem 500 mil abortos frente a 700 mil nascimentos. E muitas mulheres também se tornam vítimas, 3 mil morrem ao fazerem um aborto ilegal. Com números tão expressivos, diversos grupos no país se organizam para garantir o direito a liberdade da mulher. A escolha de ter um filho ou não. Extremamente crítico, o documentário mostra a influência da Igreja na criminalização de mulheres que optam pelo aborto.
O Coletivo Elza Torres é assertivo em mostrar no filme que o aborto não é uma prática somente das classes mais baixas. Apesar do indicativo geográfico mostrar que a maioria das mortes de mulheres que fazem abortos clandestinos residirem em regiões periféricas, o aborto está presente em todas as camadas sociais. As pesquisas não são capazes de provar isso, mas é importante ressaltar que só é possível saber que um aborto ocorreu quando há uma complicação no processo e a mulher procura ajuda médica.
“Se o Papa fosse mulher, aborto seria lei”, gritavam feministas num protesto no filme. Essa frase resume o embate religioso presente na Argentina. Nossos vizinhos estão muito mais avançados no debate sobre o aborto, há muito mais grupos mobilizados. Enquanto lá o problema é a supremacia da Igreja Católica, no Brasil é a Bancada dos Evangélicos que cada vez mais toma forma no Congresso, fazendo força junto a Igreja Católica. Apesar do Brasil ser um país laico, as instituições religiosas ainda exercem grande poder de influência nas leis do país. Camila Sousa, integrante do Centro Acadêmico XVII de Maio, lembra que ainda há muito pra avançar no Brasil. “Essa não é uma luta só das mulheres, quando todo mundo entender que é uma causa de todos, as mulheres terão seus direitos garantidos”, argumenta Camila.
Pra se ter uma noção de como o aborto no Brasil é presente e qual é a urgência na tomada de medidas, a pesquisa Magnitude do Aborto no Brasil revela alguns aspectos epidemológicos e socioculturais. Realizada pelo Ipas Brasil, em parceria com o Instituto de Medicina Social da Uerj, a pesquisa revela a estimativa de que sejam realizados anualmente 1.054.243 abortamentos no Brasil. Cerca de 250 mil internações por ano para tratamento de complicações de aborto. E tudo isso custa para a saúde pública, 35 milhões de reais.
Camila e todas as meninas presentes não ganharam flores nesse dia, mas preferiram plantar algumas sementes pra que no futuro possam colher rosas suficientes pra montar um buquê de direitos garantidos.
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Aline Ramos, estudante de jornalismo e integrante do Cacoff.