Carta manifesto contra o descaso e a falta de critério no curso de Jornalismo da UNESP

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As duas turmas do 4º de Jornalismo da Unesp-Bauru foram submetidas a uma prova absurda na manhã de sábado, dia 16/04/2011. Mais do que uma prova nos moldes acadêmicos mais arcaicos, que serviu apenas como uma avaliação burocrática, o exercício também foi de paciência. Após anos de estudo em uma Universidade Pública, que já é internacionalmente reconhecida como – teoricamente – uma das melhores do Brasil, os alunos lidaram com questões que estavam aquém de qualquer expectativa. Exatamente, aquém.


A prova se propunha a avaliar a apreensão de pontos importantes que pesquisadores, docentes, jornalistas e outros profissionais expuseram em uma série de palestras da disciplina Seminários Avançados. O que se viu, porém, foi uma compilação de questões sem nexo, que pediam pontos aleatórios e extremamente específicos de falas atribuídas aos profissionais.


O professor Pedro Celso Campos – que ministra a disciplina – “elaborou” até mesmo uma questão de “complete a frase”, além de pedir o nome de palestrantes que disseram frases específicas que aleatoriamente foram pinçadas por ele durante as falas dos convidados. Vale lembrar que nem todas os seminários contaram com apenas um palestrante, formando mesas redondas com três e até mesmo quatro convidados discursando sobre o mesmo assunto. O nível da prova (que ainda será exposta se o professor não tiver vergonha de seu método de avaliação) ofendeu os jornalistas em formação. As questões, que em seu enunciado traziam palavras como “reflita” ou “comente”, tinham seu espaço de resposta infinitamente menor do que se espera para o quarto ano de jornalismo “refletir” ou “comentar” sobre assuntos que envolvem Política, Sociedade e Comunicação.

Sem esquecer que eram ao todo 20 questões. Isso mesmo, vinte.


O que se exigiu na prova não foi nada além de pontos aleatórios, com questões mal formuladas e abordagem superficial, de assuntos complexos como Jornalismo Político, Mídias Radicais e Oriente Médio.


Os alunos de Jornalismo da Unesp-Bauru se sentem ofendidos por uma série de motivos:


1) A questão não é isolada. Durante os quatro anos de permanência nesta universidade, os alunos viram o descaso de alguns professores com as aulas que ministram, se esquecendo por vezes que estão recebendo dinheiro público para auxiliarem na construção de profissionais intelectualmente ativos. A indiferença quanto a seu trabalho se mostra como uma questão mais de origem estrutural – e talvez cultural – do que pontual. Há casos de professores que liberam seus alunos meses antes do término do semestre letivo, professores que apontam as respostas das avaliações logo antes de aplicá-las e professores que aproveitam da sala de aula para colocar em práticas seus projetos de extensão, por exemplo;


2) A Unesp é uma universidade pública, mantida pelos impostos de toda a sociedade. O mínimo que pode se esperar como retorno é a formação de bons profissionais de comunicação, que terão futuramente o importante papel de produzir conteúdos e discursos (e não simplesmente reproduzi-los acriticamente);


3) O professor em questão subestimou a capacidade intelectual dos alunos. Ao elaborar uma prova com questões que exigiam pouco de jornalismo, de reflexão e de conteúdo, o professor Pedro Celso Campos demonstrou uma crença na incapacidade dos alunos interconectarem conteúdos, refletirem sobre temas da atualidade e COMUNICAREM. O que traz à tona o questionamento diante de qual seria o padrão de jornalista considerado ideal.


4) A concepção de comunicação e de jornalismo que está sendo pautada em uma das duas únicas Universidades públicas de Jornalismo do Estado de São Paulo está sendo digna das épocas mais retrógradas. Considera-se a comunicação em uma perspectiva funcionalista, apenas como canal de informação minimalista (o professor pediu na prova, inclusive, um dado do IBGE sobre acesso à Internet, datado de 2008, que um dos palestrantes teria citado durante sua exposição), desconsiderando o papel social fundamental do jornalista como construtor de conhecimento;


5) Os alunos estão no último ano de faculdade, prestes a ingressar no mercado de trabalho e, depois de diversos desaforos provenientes de estruturas de poder, ainda são obrigados a se submeter à uma pseudo-avaliação;


6) O fato em questão aconteceu com um professor que tem um papel estrutural e importância inquestionável dentro da organização: é coordenador do curso de Comunicação Social - habilitação em Jornalismo da Unesp.


Diante à indignação pela “elaboração” da prova, os alunos resolveram conversar pacificamente com o professor Pedro Celso Campos no final da aula do dia 30/04/2011. Neste dia, a intenção era questionar se esta era a melhor alternativa, se exigir nomes de autores de frases específicas e dados do IBGE tornaria os jornalistas mais aptos ao trabalho. E então houve a surpresa.


Após aceitar dialogar com os alunos, o professor Pedro Celso Campos ria a cada questão posta, agindo inflexivelmente, se referindo à preocupação dos discentes como uma preocupação com a nota final. Alegou que “aquela avaliação estava excelente e não vai ser mudada” e proferiu pérolas como “eu sou professor, não preciso saber o que eles falaram, vocês são alunos”, logo depois de uma aluna o questionar uma das respostas. No diálogo que deveria ser respeitoso e reflexivo, os alunos tiveram contato com um ponto de vista reacionário, conservador, autoritário e desrespeitoso com os próprios discentes, com o dinheiro público, com o jornalismo como campo e, indiretamente, com a sociedade.

Depois de tentar dialogar, em vão, falou-se sobre a concepção de comunicação em tempos de internet (segundo ele, há décadas não trabalha com jornalismo), sobre incongruências entre o pensamento contemporâneo de comunicação e o que ele exigia na “prova” e sobre a preocupação dos alunos com sua formação como jornalistas, que inclui a confiança depositada em suas capacidades cognitivas, assim como a sociedade faz.


Sem resultados, foi citada a alternativa de recorrer a instâncias superiores, ao que ele respondeu: “Vocês não vão fazer nada, nem conhecem como funciona a Universidade”.

Inconformada com as arbitrariedades, grande parte dos alunos saiu da sala, mas os que ficaram tiveram a oportunidade de ouvir ainda mais pérolas.


O que os alunos pedem é que não sejam tratados com desdém. Não querem ser nivelados por baixo. Querem respeito e querem condições para se construir como pensadores - comunicadores, para contribuir em melhoras à sociedade. Pena e triste o fato de ser necessário que se peça, mas, pior que os alunos, muitos professores se esqueceram de qual é sua função social, qual seu papel diante a uma sociedade em transição e de qual o retorno que o dinheiro público que neles é investido deve ter.


Centro Acadêmico de Comunicação Florestan Fernandes - CACOFF



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3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Dou total apoio à manifestação do Centro Acadêmico e dos alunos do curso de Jornalismo.

    Fui uma das "vítimas" do professor citado quando era estudante do último ano de Jornalismo na disciplina de Seminários Avançados, em 2007.

    Fiquei de DP por uma falta a mais que o permitido sem conseguir aboná-la nem com trabalhos, e permaneci mais 6 meses na faculdade só para essa disciplina.

    Conheço bem o ímpeto legalista do tal PCC(do mal) para com o discurso dos alunos, e dou a dica a vocês: Ir a "instâncias superiores" da UNESP de Bauru nem sempre adianta.

    Como vocês são uma sala inteira, protestem de verdade, ocupem o departamento de comunicação, exijam a saída dele da coordenação de curso - não larga o osso nunca, ou qualquer outra ideia mais efetiva que tenham.

    Eu era coordenador de assuntos acadêmicos do DADICA na época, conhecia muito bem as instâncias da universidade e digo com propriedade que nenhuma delas funcionou.

    A esperança pode ser o conselho de curso - espero que tenham representantes, que em um caso semelhante com o professor Alexino teve sucesso.

    Apelar aos professores do CHU e aos cabeças abertas do CSO para fazer pressão também pode ser uma boa, afinal a rivalidade entre eles talvez ainda renda a salvação dos alunos.

    Desejo toda força e luta impossível para contornar essa enrascada, e se precisarem de algum manifesto a mais, basta entrar em contato.

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